CONDICIONANTES E BENEFÍCIOS DE UM CANTEIRO SUSTENTÁVEL, NA PRÁTICA.

Através de uma visão prática, este texto visa discutir os condicionantes e os benefícios que observamos nas empresas de construção nos meus últimos 10 anos de trabalho na proActive Consultoria, auxiliando seus empreendimentos (e respectivos canteiros) nos processos de certificação ambiental. Sendo assim, discutimos aqui somente os aspectos das tecnologias de canteiro, que visam, na essência, a obtenção de um canteiro mais sustentável. Por outro lado, adianta-se, que os benefícios observados neste processo foram muito além do canteiro, estendendo-se por toda a empresa e em alguns casos além dela.

Quando se ousa conceituar o que é um canteiro sustentável, em geral, abre-se espaço para várias discussões. Isto ocorre em função da sua abrangência e, ao mesmo tempo, pelo fato de tratar de questões muitas vezes abstratas, e como sabemos o mercado da construção civil busca soluções mais concretas. Existe uma lista imensurável de ações sustentáveis na academia e certamente outras no mercado, o que justifica não abordarmos essas ações em essência, mas sim exemplificar suas aplicações. Algumas trataremos neste texto, porém buscando sempre questionar as condições necessárias e seus benefícios, foco desta discussão.

O principal condicionante que entendemos aqui como um pré-requisito da certificação, ainda que abstrato, é o que chamamos de “Abertura”. Em verdade se aplica a qualquer processo de inovação empresarial, pois se relaciona à necessidade de mudança comportamental dos agentes, que no nosso caso são os envolvidos com as atividades do canteiro de obras. Nada mais lógico; porém, na prática, sabemos de grande dificuldade, já que são mudanças que devem envolver da diretoria aos gestores, assim como dos empreiteiros até cada operário das obras.

Em essência, a mudança de comportamento das pessoas só é possível quando todos estes envolvidos tiverem a percepção dos benefícios do processo de implantação das ações sustentáveis de canteiro. Ou seja, visualizarem no que se beneficiarão com isso. Com esta lógica pensamos na estruturação deste texto, que busca sempre relacionar as condições com seus respectivos benefícios observados.

Uma primeira condição relacionada a esta necessidade de mudança comportamental é compreender que toda inovação necessita conhecer e desenvolver habilidades. Existem basicamente três tipos de habilidades consagrados na academia, segundo o escritor americano Robert Katz (1986, p62 e 69). São elas as habilidades técnicas, humanas e conceituais. Sendo que a habilidade humana é essencial para obter as mudanças de comportamento na fase de execução e assim o sucesso no canteiro de obras, alcançando os objetivos sustentáveis.

O conhecimento técnico é aquele conhecimento especializado, que lhe permita realizar análises e tomar decisões (técnicas construtivas, por exemplo). As Humanas são as

Fonte: Katz (1986)

Um exemplo prático que salienta a importância de conhecer e desenvolver habilidades é tomarmos o nosso operário da Construção Civil, que pela sua situação humilde constrói a sua própria casa na periferia, nos finais de semana. Sempre comento com meus alunos (como professor), que na casa dele, aquele operário cobre a areia, a brita e até os blocos da alvenaria, quando observa o tempo nublado. Porém não o faz na obra onde trabalha. E pergunto aos alunos, quais habilidades precisamos desenvolver, como futuros gestores, para promover a mudança nesse comportamento. Fica claro que é um problema de “educação” e, que conceitualmente, se relaciona a trabalhar com as crenças e valores dos operários, próprio da habilidade humana.

Entram então alguns exemplos de ações sustentáveis que podem auxiliar na mudança de comportamento, através da melhoria na comunicação dos operários com os gestores da obra. Podemos citar desde uma pequena “caixa de sugestões” disponibilizada no canteiro, visando permitir aos trabalhadores comunicar de forma sigilosa suas necessidades e assim tratá-las, a uma solução mais avançada, através de um “programa de incentivos”, buscando bonificar aqueles que atendem os vários requisitos de necessidade da obra: limpeza dos ambientes, uso de EPIs, separação dos resíduos em canteiro (que é o mais difícil de ser trabalhado) ou mesmo o cumprimento de horário.

O Programa de Incentivos baseado no desempenho, avaliação por mérito, é o que observamos que trouxe os melhores benefícios, pela própria condição de humildade do operário da construção civil. Assim deve ser aplicado diferentemente daquele conhecido no mercado como “Funcionário do Mês”, pois este privilegia apenas os melhores e não trabalha com as equipes mais deficitárias (menor desempenho).

Os benefícios da aplicação destas ações, que através da comunicação da obra com operários promovem a mudança de comportamento, são um ambiente de maior cooperação entre todos os envolvidos no canteiro e um melhor ambiente de trabalho, o que indiretamente vale comentar promove uma qualidade de vida melhor para todos.

A segunda condição relacionada à necessidade de mudança comportamental é o entendimento do que é um canteiro sustentável na prática. Conhecimento principalmente direcionado aos “Interlocutores Ambientais do canteiro”, que é uma definição e pré-requisito fundamental das certificações ambientais. Os Interlocutores são aqueles responsáveis por receber as informações dos consultores ambientais e repassar às equipes operacionais do canteiro, o que justifica a importância de deterem uma visão prática e entendimento do que é um canteiro sustentável.

Conceitualmente trata de conhecermos os impactos que a obra pode gerar nos meios biótico, físico e antrópico do meio ambiente. O meio biótico é entendido como a flora e fauna. O meio físico seria o solo, o ar, a água, etc. E o meio antrópico todo aquele que afeta as condições do homem.

A visão prática para tratar desta segunda condição e auxiliar na mudança de comportamento dos envolvidos e agregar a eles o entendimento do que é um canteiro sustentável, é colocar os envolvidos na situação de “vizinhos da obra”. Solicitando que visualizem que eles serão os vizinhos diretos, e que no seu entorno é que será realizada uma obra. A partir desta visão, prática, os envolvidos percebem que tudo aquilo que for feito para diminuir seu próprio incômodo passa a ser uma ação sustentável valorizada pelos processos de certificação.

Assim, desde uma “Carta de Início da Obra” enviada ao vizinho, a uma pequena placa no tapume informando os horários de trabalho ou de entrega de materiais, passam a ser ações importantes que podem, como principal benefício, diminuir as reclamações. Obras com certificação ambiental registram, em média, um número de 1 (uma) reclamação de vizinhos a cada dois meses de obra. Benefício que, além de melhorar a gestão da comunicação, reduz substancialmente possíveis problemas jurídicos com eles.

A terceira condição relacionada à necessidade de mudança comportamental é o fato de que é preciso buscar aprimorar sempre, o que conhecemos conceitualmente como a busca pela “melhoria contínua”. Por outro lado, temos observado que isso acaba sendo mais uma consequência do processo de certificação, do que já deveria ser, de fato, uma habilidade que deveria ser buscada em todas as atividades. Mas não podemos deixar de reforçar que deve existir um equilíbrio entre as 3 funções de toda “gestão”, que são planejar (com antecedência), controlar (monitorar) e, por fim, melhorar (sempre). Estas etapas são fundamentais para obter um canteiro sustentável.

O conceito de “melhoria contínua” está intrínseco aos processos de certificações ambientais, que no caso do processo AQUA-HQE® (FCAV e CERWAY) classifica as preocupações ambientais em níveis de desempenho: Base (B), Boas Práticas (BP) e Melhores Práticas (MP). Desta forma, quando no andamento normal do processo de certificação, as empresas construtoras ou incorporadoras envolvidas desenvolvem naturalmente esta habilidade e benefício, porém a longo prazo.

No entanto, observamos que a empresa construtora ou incorporadora tem evoluído de forma muito mais rápida quando, por sorte, alguns colaboradores possuem antecipadamente esta condição de buscar sempre o aprimoramento. Isso ocorre porque se trata de uma habilidade individual e pessoal, pois é função da vivência de cada envolvido com o processo de certificação. Assim, o avanço desta condição está relacionado à capacidade dos interlocutores ambientais do canteiro (ou da empresa) perceberem e vivenciarem a própria experiência e, a partir disso, compreenderem a necessidade de aprimorarem cada vez mais.

Empresas que se tornaram “Empreendedor AQUA”, assumindo o processo de certificação em todas as suas obras (ou obras dentro de um certo escopo), têm apresentado sinais claros de aprimoramento e de evolução contínua, tanto ao nível de seus colaboradores, como também ao nível empresarial. Visualiza-se melhorias em todas as suas áreas corporativas, que se estendem além das suas fronteiras. Observam-se resultados positivos nestas empresas, por exemplo, ações de aprimoramento em uma das partes mais difíceis de serem trabalhadas nas obras, que é a gestão de resíduos e a logística reversa.

Relacionam-se aí várias ações sustentáveis, desde o reaproveitamento de materiais em canteiro, local protegido e identificado para os resíduos perigosos, até ações de busca de novas cadeias de valorização dos resíduos. Os benefícios destas ações são significativas reduções de custo, ao momento que diminuem as perdas de materiais em canteiro e geram parcerias, reduzindo o uso de caçambas destinadas a aterros.

Por fim, cabe salientar que todas estas ações se refletem, na prática, em melhorias na gestão global da Obra. Pois necessita que todas as ações sejam devidamente planejadas e acompanhadas (controladas) e, o mais importante, tratam-se de benefícios em toda a gestão: da comunicação, da segurança, de resíduos e, especialmente, de custos. Nada mais lógico, já que uma obra sustentável é aquela que é sustentável em tudo, ou seja, termina dentro do custo e do prazo, com segurança, com qualidade. Nada além do que já deveria ser, não é mesmo?

Referências Bibliográficas:

FCAV e CERWAY. Referencial Técnico de Certificação AQUA-HQE™: Sistema de Gestão do Empreendimento – SGE para Edifícios em Construção. FUNDAÇÃO CARLOS ALBERTO VANZOLINI e CERWAY. Versão de março de 2014. Disponível em: < https://vanzolini.org.br/aqua/wp-content/uploads/sites/9/2015/11/RT-SGE-14-03.pdf> Acesso em: 25/08/2020.

KATZ, Robert L. As habilitações de um administrador eficiente. São Paulo: Nova Cultural. Coleção Harvard de Administração. Volume 1. 1986.

Heitor Haga

Engenheiro civil pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (1995). Mestre em Engenharia de Produção pela mesma universidade (2000). Doutor em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo da USP (2008). No campo acadêmico vem desenvolvendo estudos e projetos de pesquisa em Engenharia de Construção Civil e Urbana e também auxiliando no desenvolvimento de cursos de capacitação técnica e gerencial para profissionais destas áreas. Atualmente é professor da Faculdade de Engenharia São Paulo – FESP, ministrando disciplinas de graduação nas áreas de urbanismo e de gestão, qualidade e planejamento de obras de engenharia civil. No campo profissional iniciou-se como Engenheiro de Obras e posteriormente como Engenheiro de Planejamento e Acompanhamento de Obras e Engenheiro da Qualidade, em empresa de construção civil.

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